domingo, 3 de outubro de 2010

Cultura caiçara e proteção ambiental. (03/10/10)

Estação Ecológica da Juréia
Cruzando este litoral onde se encontram São Paulo e o Paraná, tive contato com um assunto interessante e delicado, que remete basicamente à esta espécie de esquizofrenia coletiva que faz com que o homem se perceba como um ser desintegrado da natureza. Daí nasce esta ânsia de subjugar o  ambiente causando os nefastos efeitos com que estamos acostumados a lidar e que com muitos dos quais até nos acostumamos. A partir desta falácia, a sociedade percebe a necessidade de cercar alguns pequenos pedaços onde resistem a fauna e a flora, e deles expulsar a ocupação humana, sem perceber que em muitos casos e ao contrário do senso difundido, é justamente quem ali está que protege o que restou. Isto ocorre geralmente em nome de um pensamento ecológico importado e atrasado, mas que muitas vezes encobre interesses econômicos de gente que se faz de inocente.

Dados mostram que 25% dos brasileiros ainda reside em comunidades tradicionais. E sempre, onde há algo que se pense em proteger, lá estão estas incômodas pessoas. Ali se inicia o árduo processo de convencer esta gente de cabeça dura de que eles devem sair dali para que se possa delimitar e "proteger o que restou". Mas seria mesmo uma coincidência o fato de que na maioria dos casos, o "que restou" está quase sempre "habitado". Num esquema de ocupação tradicional, herança da cultura indígena, a mata é o quintal dos indivíduos que ali residem. Sua proteção está portanto intimamente ligada à subsistência dos mesmos.
      Um bom exemplo disto são os grandes parques no cerrado brasileiro em que não há habitantes. Quando vem o fogo, queima tudo, pois não há ninguém próximo para apagá-lo no início. É claro que incêndios também são causados por métodos tradicionais de cultivo como a queimada, mas isso se resolve com a conscientização de que existem técnicas mais modernas e assertivas, e não com a expulsão daquele que seria o maior interessado em proteger esta área. Outro exemplo disto ocorreu durante os anos 80. Por achar que o Palmito Jussara da Mata Atlântica estava em perigo devido à sua exploração econômica, o Paraná proibiu sua extração. Santa Catarina não o fez. O resultado foi que em pouco tempo, as matas catarinenses mantinham estas palmeiras, enquanto as mesmas praticamente desapareceram do estado vizinho. Isso mostra o óbvio, onde se podia colher, havia manejo e proteção por parte dos moradores locais, novas mudas eram plantadas e se respeitavam alguns espécimes para a reprodução. Onde havia a proibição, não havia tempo ou interesse para manejar e as plantas eram retiradas na calada da noite.

Clotilde embarcada
     A natureza se recupera e até se beneficia de um esquema de ocupação tradicional. Existem estudos que comprovam inclusive que a Selva Amazônica foi toda "manejada" pela ocupação indígena, o que auxiliou inclusive na dispersão de espécies e consequente aumento da biodiversidade. O caiçara conhece e respeita os ciclos naturais, caçando e pescando nas épocas corretas, evitando os períodos de reprodução dos animas, simplesmente por depender deles. A terra é cultivada num sistema de manejo onde cada parcela descansa o tempo necessário antes de voltar a ser semeada, não necessitando assim de qualquer aditivo químico. Há um respeito consciente à natureza por se conhecer profundamente o caráter simbiótico desta relação. Logicamente existe a necessidade de educação junto a estas comunidades para que se possam inserir novas técnicas de manejo da floresta com métodos cada vez menos impactantes e que tragam maiores benefícios aos extratores. Mas isto deve ocorrer dentro dos moldes culturais da gente local, através de seus indivíduos, como já vem ocorrendo há algum tempo pela cooperação de caiçaras que ampliam seu campo de visão formando associações como o MJJ (Movimento dos Jovens da Juréia) e as raras ONG's que tem realmente uma visão moderna e produtiva da questão.

     Além disto tudo, no momento em que estes povos constroem, reformam ou preparam o terreno para novos plantios, tradicionalmente ocorre o mutirão. Este trabalho comunitário coletivo que proporciona obras muito rápidas e baratas, também resulta em momentos de festa, alegria e cultura. O proprietário fornece comida e bebida, e após o término do trabalho começa o Fandango, também ocasionado por motivo de casamentos, aniversários ou festas de santos. Ali se vê uma série de cantos e danças, ritmos diferentes, roupas e adereços tradicionais, instrumentos musicais fabricados artesanalmente, etc. Estas ocasiões são pontos culminantes de um estilo de vida com tudo que pessoas precisam para se sentir honradas e orgulhosas de seu trabalho e cultura, com muita diversão.

    Quando isto não ocorre porém, e estas populações são rechaçadas de seu habitat, algo muito diverso acontece. Aumentam as periferias de cidades vizinhas como Peruíbe ou Iguape, no caso da formação da Estação Ecológica da Juréia. Muitos destes indivíduos, aculturados e sem conhecimentos para obter renda fora de seus contextos, acabam caindo nos braços de um estilo de vida marginal, onde a revolta, ainda que não seja o melhor, é um caminho quase natural de quem perdeu tudo, principalmente a dignidade. E este homem que vivia em comunhão com a natureza, torna-se um animal perigoso na selva de pedra. E tudo isso porque temos uma aversão ao fato de sermos bichos, quando na verdade, isso nos torna um com o todo. Quando recuperarmos este entendimento, este será o dia em que nosso desenvolvimento será real, e não mais poderemos ferir a vida por falta de respeito, visto que somos vida.

3 comentários:

  1. Belo texto caro Erich...!
    A falta de harmonia com os valores modernos e o meio ambiente nos leva a esta triste realidade.
    Como morador de São Sebastião e frequentador de vários locais mais isolados pelo nosso litoral tive a oportunidade de vivenciar os princípios caiçaras, assimilando aquilo que a natureza nos diz a cada instante e as vezes insistimos em não escutar...
    A Clotilde ficou mto bem embarcada, merecido descanso!
    Esta semana antecede o SWU, vai rolar um bela pedalada por aqui e certamente vc será lembrado várias vezes pelo caminho.
    Ventos a favor...!
    Abrass

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  2. Conheço uma situação igual a esta, na trilha do ouro.
    Ótimo texto. É uma pena que a ganancia prevaleça e o nosso planeta vai sendo destruido.
    Estou te seguindo!
    Abraço.
    João Bosco
    www.clubeadventure.com.br

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  3. Boa, erich! Parabens pela reflexao! Bjo, Sergiao.

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