domingo, 31 de julho de 2011

Meu inverno Patagônico II

PARTE 2 (eu tinha agendado a parte II pra ser publicada 4 dias após a I, mas a parada não entendeu!!! aqui vai!!!)

Pirata recuperando-se
Duas semanas passadas e David partia rumo à sua Babilônia natal Master, Los Angeles!!! E aí iniciavam tanto minha fase solo de sitiante, quanto os problemas. Primeiro Tao, a matriarca de minha  família canina, decidiu seguir David e perdeu-se. Pirata, seu filho pertencente a Jon que também estava na gringolândia, já andava meio mal e piorou bastante. Decidi levar-lo ao veterinário apesar das dificuldades inerentes. Um: deve-se chamar um taxi, o que não é tão simples sem um aparelho telefônico. Dois: encontrar um taxista que curta a idéia de transportar animais. E ainda três: caminhar um tanto, e nesse caso com o cachorro no colo pois o bichinho estava assim assim, pois os taxistas não apreciam o barro e as pedras do último trecho até a chácara.

Alguns dias depois, gás total!!!
Mas finalmente Pirata me surpreendeu, piorando muito no domingo à noite. Não quis comer, não podia respirar e parecia estar indo pra uma melhor... Às 9 da noite, um frio do cacete, saí de cachorro a tiracolo buscando um vizinho que pudesse ajudar. E por mais que o bicho estivesse bem magrinho, alguns quilômetros com um cãozinho no colo pulando cercas e tal, meus bracinhos queriam desprender do corpo. Felizmente um casal foi muito bacana, nos acolheu pela noite e de manhã fomos juntos ao pueblo ver a doutora. Depois de uma semana de idas e voltas, um trampo incrível e cuidados de babá dos quais vou poupá-los, Pirata foi diagnosticado cardíaco e condenado a uma dose de remédio para o coração duas vezes ao dia e melhorou incrivelmente, tornando-se um cão ativo como nunca o havia visto.

Rio Azul com luz de inverno
Fora isso, nada de muito anormal à rotina de uma propriedade rural. A vaca que escapa. O cavalo que entra na horta comendo e pisando tudo. Uma árvore que cai no caminho com o peso da neve. A água do cano que se congela e vc fica sem água por uma semana a -10 C e quando esquenta não volta, então vc tem que caminhar morro acima no mato abaixo de chuva pra desentupir o cano. Michae que estando gordíssima de grávida por vezes parecia também estar doente. O ganso que te dá esporros diários enquanto vc está alimentando o canalha. Lavar diariamente o potinho de água todo cagado das galinhas. 

Atardecer por trás do Azul
Mas é incrível como tudo acaba ficando guardado como memórias agradáveis. Além de não ser muita coisa, deve-se lembrar que tudo isso ocorre num vale cercado de uma linda mata e cortado por um rio deslumbrante, e quando neva, ou quando é de manhã saindo da casa há uma linda lua no céu entre uma névoa espessa que deixa pouco do rio e da mata transparecer, é de se perder o fôlego tamanha a beleza.

Mansão canina em construção!

E, finalmente Tao voltou após uma semana desaparecida. Várias pequenas coisas pendentes se foram ordenando quase que por si mesmas. Tive agradáveis conversas com Nacho, sobretudo nos últimos dias movidas por uma agradável dose da deliciosa cerveja caseira ali produzida. 


E que me desculpem a falta de modéstia, mas fabriquei a melhor casa de cachorros que já vi na vida! E finalmente Alex chegou com seu primo. Passamos dois dias agradáveis com muitas conversas e voltei à Reko, submersa em uma espessa camada de neve.Daqui agora escrevo, em minha casinha de barro. E assim foi esse primeiro pedaço de inverno. Veremos o que me reservam minhas próximas semanas patagônicas.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Meu inverno Patagônico

PARTE I

Michae, a menina da família
Demorei um pouco para retornar. Andei às voltas com toda uma situação complicada de família, esta sendo uma de cachorros que me adotaram durante este inverno . Por isso vou contar como vem sendo estes dias antes e depois do último solstício aqui no norte da Patagônia.

Depois do Bioconstruyendo passei mais um tempo na chácara onde o curso se deu e rumei para um outro projeto afim chamado Reko, isso tudo ao longo de uns três meses bastante intensos que conto em outro momento. Este post fica reservado ao frio.

brrr...
Ainda estava na Reko quando começou a esfriar de verdade. Digo isso porque mesmo chegando aqui no verão, houveram noites em que me caguei de frio na barraca. Lição: Nunca creia muito no que dizem sacos de dormir. Por experiência própria, percebi que a temperatura mínima descrita significa até onde vc permanece vivo. A minha dizia 0 C, ou seja, a 0 não se morre, mas a 5 graus vc passa frio pra cacete!!! Mas agora era diferente. Geadas fortes que se sobrepunham formando uma dura e escorregadia crosta sobre o solo. Os voluntários já haviam partido, e por sorte a fantástica família que ali reside me havia emprestado uma casinha de barro bastante bem isolada e fácil de esquentar com uma lareira de alto rendimento. Os dias passavam de forma agradável e relativamente preguiçosa, evitando saídas desnecessárias. Vez por outra havia que cortar árvores secas com a moto-serra e depois partir os tocos com machado, mas verdade seja dita, este tipo de atividade me agrada. Cortar lenha, fazer fogo, cozinhar no fogão a lenha, tenho isso meio no sangue.


Vizinhanças da chácara
Tudo branquinho.
Veio então o momento de baixar para a costa do Rio Azul para cuidar da chácara onde havia sido o Bioconstruyendo como combinado semanas antes com o Alex. O lugar é absolutamente maravilhoso, além de ter uma aura linda pelo uso dado a esta terra. Alex é um discípulo de Agricultura Biodinâmica e distribui alimentos saborosos, vivos, nutritivos e  livres de toxinas num esquema super bacana de agricultura suportada por famílias associadas que os recebem semanalmente. 

Me perguntava como seria um mês de inverno ali, sem energia elétrica, banheiro seco e fora da casa, o banho num esquema de fazer fogo abaixo de um tacho em um local também externo e depois a canecadas, e por aí vai...

Fadinhas na geada (clique na foto pra ver maior!)
Chegando conheci David, um californiano que havia voluntariado na chácara durante dois meses e com quem dividi as tarefas da chácara e agradáveis momentos durante duas semanas. Também haviam dois habitantes intermitentes, Nacho e seu pequenino Simón, um puta figurinha! Li muito, pois a biblioteca de Alex conta com uma porrada de livros interessantes e profundamente aptos a provocar revisões de paradigmas, principalmente no tocante à nossa relação com o que nos cerca e permeia. Tudo isso que insistimos teimosamente em chamar "natureza", como se não fôssemos parte integrante. Também cortei e costurei toda uma camisa à mão, atividade que consome um tempo incrível, mas que me dá prazer e satisfação.

O figurinha Simón!
Entre uma e outra atividade, David e eu trocávamos interessantes considerações com respeito a nossas intenções de nos acercar cada vez mais de um estilo de vida simples, rural em busca de uma maior conexão com a "natureza" ou seja, ultimamente consigo mesmo. Também ríamos bastante de nós mesmos com uma história que criamos sobre pertencermos a uma tribo nativa, mas nativa ao mundo, sem um lugar específico. Logicamente o fato de ser um "Nativo" ao mundo tem que te dar direitos especiais sobre outras pessoas, principalmente aos habitantes da horrenda Babilônia. Logicamente tudo isso não passa de falta do que fazer e vontade de divertir-se com pouco. Mas...

Continua em alguns dias!

domingo, 10 de julho de 2011

Que assim seja, com um pouco de poesia.

Esse foi um que escrevi há um tempo e que agora por coincidência sincrônica me encontrou durante a viagem parada. Curioso o fato de que meus intentos poéticos, ao menos vários deles, quando os leio no depois, já não parecem meus. Mas gosto deles, esses alguns, e aprecio a sensação de que não mais pertencem, a mim ou a ninguém, ainda que talvez escrito com destinatário, e sim a todos. Esse aqui é pra vc, que em suma, é todo o mundo:


Descalço de sentimentos, me sinto...
e assim me sonho sendo.
Ao longe, me passa o tudo
pisco de um olho e confundo
lançando o silvo e o som.
Um uivo me ouriça o sêmen
quase distante se acerca o ocaso
já sei bem sobre a noite
quisera fosse dia adentro
quiçá o barulho no ventre é o quase
que faz anuncio de um sol
borrando algumas notas ventadas
passadas com certo descuido
pelo músico que desconhece o espaço...
Esse nada que é berço de tudo
e que com voz inaudível,
simples e objetiva
acorda aquilo que é...
Ali, deixo de me saber
de te saber até,
vez que sempre foste tão sólida
tamanha tua imaterialidade
tua tão completa e impossível inexistência calou em mim.

Mas até o já,
isso é sempre por breves infinitos segundos.
E essa vontade de contrapor idéias
que mais parece pretensa ilusão poética
toma formas absolutamente reais
dentro e fora de todo o imaginário
que constitui meu zilhão de castelos de areia.
Teimam em reconstruir-se
sozinhos, como se um vírus
me pudesse entender melhor
que esse bando de coisas e jeitos
que tenho a mania de associar a mim mesmo,
seja lá o que mim queira dizer, ou ser.
Onde chegar com isso,
quando não se sabe ao certo
se a largada foi dada.
E caso tenha sido, terei ouvido?
E se nem surdo nem atardado, terei andado?
E isso supondo feito
desconfio que me faltou tato
pra perceber o jeito.


Sim, a coisa é meio perdida amigos, e espero não ter te aborrecido especialmente com tantos mims e meus e minhas!!!Tanto melhor que isso me tenha encontrado agora, quando pareço mais achado, ao menos a quem mais me procura. Beijo e até breve.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

De Buenos Aires a El Bolsón de qualquer forma!!! (parte 3)

PARTE III

entrada do cânion
Fui cruzando e conversando com outros viajeiros ciclistas de outros países e finalmente começamos a curtir algumas descidas. A vista composta por montanhas, bosques, prados, riachos e milhares de tipos de flores lindíssimas era inacreditável. Estava respirando alegria e paz com os olhos e todo o corpo. Segui pedalando, e apesar da beleza, o trecho era realmente duro meus amigos. Já não fazia tanto calor pois passava das 5, mas a porra da subida não acabava mais!!!  Mas devo dizer que o ônus teve paga! Um cânion incrível e muito longo que me permitia velocidades acima dos 50 km/h em diversos pontos. Assim podia pedalar com as mãos erguidas feito asas, gritando loucamente num frenezi de simples felicidade por ser e estar. Foi incrível!!!

Terminando a infinita baixada, parei para ajudar um casal de alemães. Devido às fortes subidas e ao extremo calor que fez o dia, a senhora passava mal e não podia continuar. Senti pena ao perceber que seu amigo estava cheio de vontade de prosseguir, mas viu-se obrigado a companha-la. Companheirismo é assim né?! Voltando ao pedal, veio outra ladeira daquelas.


amigos ciclistas portenhos
Em termos objetivos, esta não era tão dura quanto a anterior , mas devido ao estado de cansaço em que já estava, foi quase mais difícil. Novamente porém um bonus esperava-me no topo. Um por do sol de tirar o fôlego com nuvens ardentes contrastando com o céu em tons de rosas, lilazes e violetas. Perguntava-me onde dormiria pois caía a noite e não aparecia um local apropriado. Mas ao final de uma baixada, já quase sem luz, havia uma ponte sobre o lindo rio Foyel. Baixei e encontrei já instalados uma dupla de ciclistas de Buenos Aires com quem já havia trocado palavras anteriormente. Tomamos uns mates, aproveitei para banhar-me nas águas geladas do rio e dormi um sono agradável.

No dia seguinte, devido à minha habitual lerdeza matutina, ainda que tivessem que fazer uma série de reparos nas magrelas a dupla deixou o acampamento um par de horas antes que eu. Saí com sol a pino como de costume, troquei umas palavras com um ciclista tcheco e pedalei duramente os primeiros 5km do dia montanha arriba. 


Depois foi uma sequência de agradáveis descidas e subidinhas. Encontrei um simpático casal de Buenos Aires que havia conhecido no camping dois dias antes e que parou seu trailer na estrada para saludar-me. Tive uma agradável conversa com uma menina muito inteligente em um quiosque de beira de estrada. Gosto de ver quando gente bem jovem pensa fora da caixinha e começa a querer uma vida inventada por si mesmos e não imposta por seja quem for. Dali pra frente foi só baixar até El Bolson, mas chegar efetivamente no  Byoconstruyendo foi toda uma outra história, fica para o próximo post, ok?!!! Beijo e até já...

sábado, 2 de julho de 2011

De Buenos Aires a El Bolsón de qualquer forma!!! (parte 2)

Carona de caminhão
 Acordei pensando que seria prudente tentar uma carona, pois ainda haviam 420 km a percorrer em somente cinco dias. Pedalei uns 3 km e havia um caminhão parado no acostamento. Conversei com o motorista, pusemos a bicle na caçamba e fomos. Foi uma linda viagem cruzando paisagens desérticas impressionantes e depois acompanhamos o leito de um rio verde esmeralda deslumbrante. Chegamos a Bariloche e o caminhoneiro ofereceu-se para levar-me até El Bolson uma vez que descarregasse. Agradeci a oferta, mas disse que tinha vontade de pedalar os 70 km restantes.

E foi uma sabia decisão, pois as paisagens eram deslumbrantes. 
Vista do camping

Logicamente nas primeiras pedaladas o bagageiro traseiro rompeu-se mantendo a tradição! Mas algum tempo envolvido em traquitanas caímos na estrada. Logo no início já apareceu um lindo lago ao lado do qual fui baixando. Uma vez pedalando quase ao nível da água apareceu um camping. Pensei em ficar aí, mas os 40 pesos da diária pareceram-me  abusivos. Segui serpenteando a estrada e uns 20 km mais tarde havia outra placa de camping. Entrei no caminho de pedras,  longo e trepidante, torcendo para que a gambiarra no bagageiro aguentasse. Chegando lá, o preço era o mesmo do anterior. Mas caía a tarde e a paisagem era tão linda que decidi ficar. Atirei-me nas águas geladas do lago e depois fiz um fogo para aquecer-me e cozinhar. Conheci uma senhora francesa que também estava pedalando. Tomamos uma cerveja, conversamos e combinamos pedalar juntos no dia seguinte.


Meu cão por um dia
Ao amanhecer enquanto fotografava apareceu um cachorro muito bonito que mais parecia um leão, tamanha a juba que portava. Nos fizemos bons amigos e por toda a manhã era como se  fosse meu companheiro de há muito. Queria entrar até no banheiro comigo. Sem nenhuma pressa pus-me a desmontar o acampamento e organizar a bicle. Assustei-me ao ver a quantidade de bagagem que levava a francesa, magrinha e um pouco mais de idade que era. Ao partir, meu companheiro não podia ser dissuadido a ficar. Chegando à estrada percebemos que ele não tinha prática com a coisa, e quase se fez atropelar duas vezes. Tivemos que ralhar e atirar pedras em sua  direção para que ficasse. Foi uma triste senção de trair meu novo amigo. 

Ciclista francesa
Pedalando, a estrada é estreita, movimentada e com um péssimo acostamento. Assustei-me com a maneira da francesa que devido ao peso que carregava, creio eu, não podia manter uma linha reta enquanto subiamos lentamente. E ao invés de servir-se do acostamento, ainda que ruim, ralhava com os motoristas que passavam muito perto. O fato é que motoristas argentinos são tão educados quanto brasileiros em relação aos ciclistas. Para a maioria deles, simplismente não deveríamos estar ali. Saudades dos uruguaios nesta hora. Seguíamos pedalando, mas ainda que eu tentasse pedalar devagar minha amiga não acompanhava. nos despedimos então e segui meu caminho árduo, inclinado e quente pra cacete!!!

(termina em 4 dias)