terça-feira, 28 de junho de 2011

De Buenos Aires a El Bolsón de qualquer forma!!! (parte 1)

A Estepe Patagônica
 Cheguei a Buenos Aires num dia cinza. E essa foi minha primeira impressão da cidade, cinza. Me pareceu uma versão paralela de São Paulo, outra, porém igual. Já havia sentido algo semelhante em Milão. Bem pode ser porque minha atual aversão à cidade não me tenha deixado ver muito além das aparências iniciais, mas não tive a menor vontade de prolongar a estada para tirar dúvidas. Pedalei diretamente à estação de trens, pois estava bastante atrasado para a data do curso de bioconstrução em que queria estar, então necessitava viajar de forma mais rápida. Em meio a um ambiente que não me deixava sentir nenhuma segurança foi-me informado que os comboios estavam todos lotados. Tive de voltar para bem perto de onde havia desembarcado para dirigir-me à rodoviária. Neste mesmo dia já não havia onibus para El Bolson ou Bariloche, motivo pelo qual comprei um bilhete para Neuquen, a cerca de 500 km de meu destino. So então, na poltrona do coletivo voltou-me habitar a tranquilidade.

km até então...
Acordei com a vista maravilhosa da estepe patagônica. Muitos a consideram monótona e portanto sem graça. Discordo plenamente. Me pareceu um lindo deserto cheio de cores, vegetação e relevo incríveis. Montei Clotilde, pedalei cerca de 1 km e me veio a primeira quebrada de bagageiro em solo argentino! Pausa para conserto e aí vamos... Pedalei 70 km baixo a um sol fortíssimo quando foi findando o dia. Estava em Arroyto, que é basicamente um posto de gasolina com chácaras e fazendas desérticas para todos os lados!!!  Poderia dormir atrás dos banheiros me disse o frentista, mas me pareceu mais tentador baixar até um rio que parecia não estar longe. E não estaria mesmo caso a estrada não fosse um puro areião que dificultava muito o trajeto mesmo empurrando a bicle.

Acampamento
Chegando perto fui surpreendido por três cães que não me pareceram nada contentes com minha presença. Por sorte um senhor de aparência mexicana me veio ao socorro. Aquele Sancho Pança apresentou-se por um nome que já se me foi da memória e dirigiu-se a mim num castellano carregado e de difícil compreensão:
    -Que haces aqui chico?
    -Estoy de passage señor, y busco la margen del rio para reposar-me esta noche.
    -Y de donde éres usted?
    -Soy de Brasil.
    -Ah Brasil! (Me disse o ancião). La Djuja, yo conosco la Djuja.
E eu me parguntei quem caralho seria a Djuja. E o senhor vendo minha expressão aturdida tratou de esclarecer-se.
    -La Djudja. La rubia linda de poca ropa de la têle. El negro Pelê se la hacia. Ah negro safado, se la hiço bien la Djudja!!! Hehehe...
E ria o velhote com cara de safado, que no pouco que podia entender de sua rudimentar comunicação, conhecia bem à Xuxa e sua vida passada pessoal com Pelé. A situação era surreal. Estou acostumado, assim que me apresento brasileiro me vem alusões ao futebol, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho, samba, capoeira, caipirinha e tal. Pelé também, mas nunca antes pelo fato de ele ter comido a Xuxa!!! Ao menos não num primeiro momento.

Entardecer na chácara do tiozinho...
O tiozinho então me fez passar por sua chácara bastante desorganizada e apontou-me o caminho ao rio, deixando claro por diversas vezes que estava aberto a quaisquer possíveis doações. Apesar de buscar beiras de rio para acampar entre outros motivos pela economia de camping, senti-me compelido a colaborar. Dei-lhe alguns pesos e me fui ao lindo rio onde banhei-me numa água gelada de gritar, armei acampamento e fiz fogo para cozinhar. Sancho visitou-me mais tarde, conversamos bastante apesar de eu comprender cerca de 10% do que o homem dizia. Mas não importava muito, havia calor em seus olhos e uma alegria mútua pelo momento compartido. Tive uma boa noite de sono embalado e protegido pelo rio que nomea o local.

(continua em 4 dias)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Grana... Como funciona isso?

a bufunfa
Uns dias atrás estava escrevendo um texto que espero ser publicado em breve, fazendo com que me caiam uns cobres no ávido Banco do Brasil, pois chega a me fazer pena a sorte dos meus dinheirinhos que andam tão solitários em sua casinha virtual. E em um momento no texto escrevi assim : Não é que tenha aversão ao dinheiro mas... e segue o texto. Ontem à noite porém, assisti a um documentário que venho adiando em minha vida há um bom tempo. E entendi porque o evitava. Pelo simples fato de que ele demanda uma importante mudança de paradoxo lá, dentro da cabeça. E, como bom ser humano, tenho natural fobia a mudanças. Sobretudo aquelas fortes. Mas, quem sou eu, e que valor tenho como ser humano, se através de minhas idéias e sobretudo ações, deixo de acreditar e consequentemente tentar contribuir para um mundo melhor?

O nome do documentário é ZEITGEIST. Convido a todos os que não viram a que o vejam. E os que já viram, a perguntar-se se o impacto causado pelas informações nele contidas mudaram, e se continuam mudando seus pensamentos e ações. É crucial enquanto espécie que confrontemos e superemos nossos medos de mudar, além obviamente de colaborar com a mudança necessária, pois só assim podemos evoluir efetivamente. E bom, depois de ver o documentário, mudei de opinião. Tenho sim aversão ao dinheiro e mais precisamente ao sistema monetário. Não confunda isso porém com aversão à abundância, mas falaremos disso logo adiante. Mais profundamente ainda, o filme nos mostra como o real problema de nossa sociedade é que vivemos em um sistema onde o lucro e consequentemente a competição são metas absolutamente necessárias para um tipo de sucesso, aceito quase que invariavelmente para nossa desgraça como o único existente ou ao menos importante. E, para que este esquema possa existir e perpetuar-se, a economia mundial deve estar baseada em escassez, o que dá valor às coisas.

Livre-se da caixa estúpida. (ou, ao menos seja seu dono, não o inverso)
Um sistema baseado em lucro e escassez, não pode levar em conta as necessidades dos indivíduos. Buscar alternativas reais para fome ou doenças é contra-produtivo. Claro que por outro lado o sistema sonha com menos miséria para que aumente o número de zumbis consumistas televisivos. Mas em última instância, não importa o fato de que 1% da população mundial detenham 40% de toda a riqueza, se for possível diminuir o percentual de miseráveis sem tocar nesta divisão, ok, se não, que se fodam. Nesse caso, miséria e suas nefastas conseqüências continuarão sendo um mal necessário. E os acidentes com petróleo devastando a natureza, o abuso de nosso recursos naturais de forma ridiculamente insustentável, as guerras sangrentas uma atrás da outra, tudo em nome da porra do lucro. Cara, se vc continua assistindo ao jornal nacional, tá na hora de acordar bicho. Somos todos escravos modernos de um sistema perverso e estamos pisando nas cabeças uns dos outros pra repartir as sobras que nos deixam os degenerados a quem estamos enriquecendo enquanto nos achamos tão honrados e sortudos por executar um bom trabalho. Função esta que muitas vezes nos aborrece, destrói nosso tempo para viver e consequentemente a paz de quem estiver por perto devido ao estresse provocado por esta troca sem sentido de nossas vidas por moedas. Entramos em uma arapuca nem sempre é fácil ver a saída, pois como todos sabem, é mais difícil libertar-se quando não se sabe prisioneiro. 

ideologia, vai uma aí?
Pra falar um pouco de minha experiência pessoal, pois até agora estava a grosso modo comentando o que diz o filme, minha falta de grana nos últimos tempos, associada a um tipo de vida muito mais simples e cercado por pessoas que de uma forma ou de outra saíram ou estão esforçando-se para sair da rodinha de hamster em que o sistema estabelecido quer que continuemos correndo, me fez repensar meus próprios hábitos. Já estou nesse processo há algum tempo, mas aqui, nesta viagem, caíram umas fichas importantes. Só agora saquei uma luta interna antiga que pode me haver sabotado durante anos. Adolescente, fui punk e depois me alistei no partido comunista. Pediria desculpas pela falta de coerência ideológica própria da  adolescência, caso acreditasse hoje que haja alguma diferença real entre ideologias. Sim, sou de tendência anarquista, mas a verdade é que pra mim a maior falácia pela qual lutamos tão bravamente mundo afora se chama democracia. Nunca houve na história da humanidade uma forma de governo em que o poder tenha realmente emanado do povo, e pobre de quem não percebe. Mas, voltando ao molho, o punk e o comunista em mim queriam a mesma coisa, lutar contra o sistema que preza o lucro acima da vida, só não sabia como. Disso apareceu minha aversão ao dinheiro. Recentemente me alertaram ao fato de que esta aversão me estaria afastando as chances de uma vida confortável. Mas agora começo a entender de forma empírica a brutal diferença entre dinheiro e abundância. Enquanto o primeiro não passa de um símbolo de troca programado para perder seu valor para que bancos ganhem com juros e processos inflacionários, o segundo representa o leque infinito de possibilidades que a vida tem para oferecer a quem estiver aberto e receptivo. Verdade que nunca tive uma vida realmente desconfortável, nem mesmo com relação à grana. Trabalhei bastante e também fui muito ajudado pala família, mas nunca atingi a dita estabilidade financeira. Hoje, creio que posso agradecer pela instabilidade funcional desta abelha operária falha que vos fala. Talvez, se houvesse encontrado esse tipo de conforto, estaria sedado babando em frente à TV como tantos, feliz por ser um escravo de sorte.

Mas e vc?!!! Deve estar pensando, o cara pirou?!!! Quer que eu largue o trampo, vire punk, beatnik, hippie sujo? Deixe de lado meus sonhos de viajar o mundo e ser bacana com os outros quando me aposentar? Ou pior, pare de comer no Mac e ver TV? Bom, vc deve perceber a ironia do comentário, mas se vc come no Mac, ouve a Jovem Pan, vê muita TV, ou pior, acredita no que ela diz... Cucu, tão te fazendo de idiota... Te fazem pagar para comer, ver e ouvir merda sedativa.  Sei que muitos de vcs, apesar de trocar um porrilhão de segundos de sua preciosa vida por números em um computador, dão seus pulos pra viverem um bom número de momentos agradáveis com pessoas bacanas em lugares incríveis. Mas será que é isso? Será que quando olharem pra trás nas salas de aula e nos mostrarem como um bando de macacos retardados que deixavam seus semelhantes (e tudo mais que existe, que também nos é semelhante, pois somos todos uma coisa só) morrer em troca de cifras, vc não gostaria de estar entre os macaquinhos mais espertos que perceberam a armadilha e começaram a sair, simplesmente abrindo a porta? O abrir a porta, é a mudança interna de paradoxo. Porque pode até que se os macaquinhos não comecem a sair da gaiola, ela possa explodir, ou ficar tão cheia de excrementos que não seja mais possível habitá-la. A chave tá no buraco. Esse filme ajuda a entendê-la. Vamos lá, não sejamos covardes. Vc sabe e eu sei que os tempos são de mudança. Vamos ajudá-la a ocorrer, e a ser positiva, porque sei lá, se existe alguma forma de consciência superior, e eu creio muito que existe, pode ser que ela perca a paciência com os macaquinhos, e aí vai dar merda...

www.thezeitgeistmovement.com

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Muitos quilômetros e leves pecados.... + Chegada aos 2 pontos.

O espanhol de milhares de quilômetros!
Primeiro foi o ócio! Talvez as explicações até sejam bastante válidas, no dia anterior havia feito  135 Km partindo de Montevidéu, máximo que já fiz em um dia. Durante este trajeto conheci um rapaz espanhol de quem infelizmente escapa o nome, que já contava cerca de 3.500 km rodados desde a patagônia. Bastante inspirador! No dia seguinte porém, meu esforço da véspera me foi cobrado. Acordei com uma preguiça incrível no corpo... Difícil sair da barraca armada na noite anterior em uma mata que beirava um rio até que grande. Comecei a pedalar, e a coisa não vinha. Pernas meio moles, um cansaço na alma... Após um café bem fraco por falta de opção tive que parar novamente para ver se um refrigerante e uns chocolates surtiam algum efeito energético. Com este auxílio artificial pude completar sofrendo os 50 km que me separavam de Colonia del Sacramento.

Colonia é uma agradável cidade com um belíssimo conjunto arquitetônico histórico resultante de influencias coloniais espanholas e portuguesas. E pasmem, conheci em uma das ruas um casal que já havia ido à Índia mais de dez vezes!!!

El Drugstore
Zanzando entre diversos restaurantes e cafés agradáveis, um chamou-me um pouco mais a atenção, o El Drugstore. Decorado interna e externamente de forma bastante colorida e poluída, e ainda assim harmônica. Possuía um carro que suponho ser da década de 40 usado como vaso, como faz o Grupo Bijari em suas intervenções. Deparado com a fome e um tanto de gula, sentei-me em uma mesa ao ar livre e presenteei-me com uma cerveja e um peixe ao molho de ervas finas. Ambos deliciosos. Ao lado haviam dois rapazes nitidamente gringos a quem minha mente rapidamente julgou pouco interessantes. Cidades turísticas em todo o mundo são constantemente visitadas por norte-americanos bastante insossos, e esses dois tinham bem essa pinta. Mas pra calar minha boca e fazer-me engolir e consequentemente rever meus tolos preconceitos, a dupla era muito agradável e cheia de boas histórias.

Os amigos de Colônia.
Sobretudo o careca de bigode que antes me parecera inclusive antipático. Fato é que o figura, Henry Biernaki, acabara de lançar seu primeiro livro, baseado em suas muitas andanças e frequentes interações ao redor do globo. Assim criara personagens e diálogos semi-fictícios para compor histórias onde ele aparece, sempre em segundo plano, para enquanto interlocutor expressar fatos e ideias transmitidos por estas pessoas com quem conviveu. Contei-lhe sobre minha viagem e sobre este blog. Muito interessado Henry indagou-me:

- Vc tem a intenção de algum dia transformar este projeto em um livro. 
- Não sei, confesso que encontro imenso prazer no escrever, mas se minha narrativa tem qualidade e o que me acontece chega a ser suficientemente interessante para ser publicado são outros quinhentos.

    Henry então me disse:

O carro vaso
- Infelizmente por não dominar seu idioma não creio poder ajudá-lo com esta decisão. Mas o fato é que, caso um dia tenha vontade de colocar suas andanças no papel, não se esqueça de inserir diálogos. Durante muito tempo escrevi sempre em primeira pessoa. Até que um dia alguém me alertou para o fato de que um texto inteiro nesta forma narrativa cansa. Poucas pessoas tem saco pra ler todo um livro onde um tipo tece sua visão à respeito do mundo, da vida ou de uma simples história. Acho que o público prefere buscar suas próprias conclusões acerca do que cada personagem tem a dizer. Caso contrário tá tudo mastigado, com pouca margem à interação provocada pela interpretação subjetiva do leitor.

Interessante cara, vou pensar à respeito... Obrigado pela dica! Despedimo-nos então pois me aproximava a hora do embarque naval a Buenos Aires. Parti com essa questão em mente e acho que Henry tem razão a respeito. Os diálogos tornam os textos mais ricos e menos egoicos. Creio que podemos tentar seguir este conselho... O que vc acha?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A coisa de se tomar mates - Um interlúdio

Por do sol em Montevidéu
São 11:47 da manhã em Montevidéu. Acordei faz um par de horas e tento desde então colocar um mínimo de intenção na desordem que se fez em meu coletivo muleta de memória, a dizer, fotos, textos e vídeos. Acabo de cevar o primeiro mate do dia, para tomar-lo tranquilamente mirando o encontro do Rio da Prata com o Atlântico da janela do apartamento de Santiago, um novo e querido amigo uruguaio. Os gurizes ainda dormem.

Faz desde a infância que o mate, ou chimarrão como queiram, me acompanha. Meu avô paterno trouxe esta tradição à nossa família por suas raízes catarinas. O mate sempre foi nosso companheiro nos momentos de pouca pressa e longas prosas, como ele costumava nomear conversas. Lembrando hoje, é algo assaz encantador o quanto houve de diversão em meio à simplicidade ritual de sentar-se em roda, sobretudo na varanda da antiga casa que ainda existe na fazenda onde cresceram meu pai e seus irmãos e de onde me veio o gosto pela vida campesina. De mãos dadas com estas memórias vem as de acender o fogo no fogão à lenha depois de partir troncos com  o machado para então esquentar a água e assar pinhões na chapa.

Roda de mate no rio Azul
Não posso fazer um fogo sem me lembrar com um algo nostálgico estes que foram dos momentos mais agradáveis de minha vida junto ao Sr Estanislau e à Dona Eminilda Zelazowski. Sinto-me profundamente grato por estes conhecimentos rituais que me passaram, em tempos em que não poderia jamais imaginar o quanto me marcariam. Por pouco que possa parecer, o aprendizado que tive então sobre o como cortar com machado e facão, a arquitetura inicial e a concentração necessária para se fazer fogo sem auxílio de inflamáveis e a maneira de cevar um mate, me fazem hoje uma pessoa mais feliz e mais dada ao que envolve ritos.

Cuias à venda
Por anos porém me afastei disso tudo. Acho que como resultado daquela revolta necessária para se forjar  um caráter próprio e individual longe do seio familiar. Há algum tempo porém que o fogo e o mate se fazem cada vez mais presentes em minha vida, culminando em minha passagem pelo Rio Grande do Sul, e sobretudo nesse agora em que me sinto um pouquinho uruguaio. Acho realmente lindo este tipo agradável de comunhão social provocada pela cerimônia da Ilex paraguariensis que herdamos dos que aqui estavam antes da chegada dos saqueadores. Quero aprofundar-me em breve na visão antropológica do uso desta erva, e se algum de vcs estiver disposto a dividir conhecimentos tocantes ao assunto, em muito me agradariam comentários e/ou emails.

Sigo então com a cuia em mãos. Vai um mate aí?!!!

domingo, 12 de junho de 2011

Um dia em Casa Pueblo e outros mais em Punta Ballena (parte 2)

(continuação do post anterior)

Esculturas de Carlos Paes Vilaró
Sabia que Vilaró era um tipo de traços fortes e obra marcante, mas meu conhecimento acerca de sua obra resumia-se a umas poucas imagens de quadros que vira em livros de arte. Para minha grande surpresa, a dita Casa Pueblo é uma enorme construção incrivelmente orgânica que compõe com a tradição de arquitetura livre que tanto me encanta de Gaudi e Hundertwasser. Algo de se deixar boquiaberto já por fora. Entrando encontrei um monte de pessoas queridas que já conhecia, e acabei por me afeiçoar a outros tantos... Por dentro a casa é uma maravilha. Como uma cidadela onde os nomes de ruelas são homenagens a tipos diversos como Pelé, Galeano e Picasso. A vista é para um mar azul, que somada ao branco intenso da construção me pareceu um portal para paisagens semelhantes às de ilhas gregas. Fiquei por horas alí, mais olhando e deixando a casa me invadir que buscando informações, num intento de mais sentir e menos pensar.

Logo uma moça muito linda pos-se a tocar "cuencos" que são aqueles recipientes asiáticos usualmente de metal que produzem sons vibratórios quando se impõe um contato circular contínuo com uma espécie de baqueta com ponta esférica emborrachada ou de madeira! Estes porém eram feitos de cristal fundido e soavam alto e limpidamente, somente um pouco mais graves que os de metal que conhecia, provavelmente devido ao tamanho. Foi como uma sinfonia de sons primordiais que me tocavam diretamente os centros energéticos sutis provocando um delicioso estado meditativo quase obrigatório!

Pedalando a Jaureguiberry
Mas, como de costume, senti que chegava o momento de partir e procedi então às despedidas. Na última delas, Lenka pediu-me que ficasse mais um dia, e assim foi que não lhe soube dizer não... A gurizada divertiu-se com minha volta algumas horas depois de partir. Um após o outro passavam os dias em que eu partiria supostamente no seguinte. E assim tivemos dias extremamente agradáveis onde pude conhecer um pouco melhor cada uma destas pessoas divertidas e deliciosas que ali estavam. Conheci as grutas, curtimos pores do sol maravilhosos sempre com o mate por perto, fizemos comidas, saltamos de rochas, rimos, escutamos e fizemos lindas músicas. Vi os lindos desenhos e pinturas de Lenka. E um dia fui. Tenho a certeza de que nesses poucos dias, em algum tipo de dimensão mesurada pela intensidade, passaram-se semanas, quiças meses...

Gurizes
Meus jovens amigos uruguaios
Pedalei contente até Jaureguiberry onde encontrei novamente os meninos. Provei pizza na churrasqueira, somente para dar uma noção de como uruguaios amam este método de cocção, e não estava nada mal! Santiago convidou-me gentilmente a ficar em sua casa em Montevidéu de onde escrevo agora. Miguel e Marcos me levaram a conhecer sua linda e agradável cidade. À noite fomos ao bar onde Santi faz pizzas, El Solitário Juan, onde a música é excelente, e hoje, uma vez mais atrasei a partida desta vez em nome de organizar-me. Amanhã pedalarei em busca de um recorde de quilômetros pessoal em um dia, agora que já bati meu recorde pessoal de quilometragem total em uma viagem, que era de mil seiscentos e algo, e agora já temos mais de 2000 rodados. Depois conto como foi...

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Um dia em Casapueblo e outros mais em Punta Ballena (parte 1)

Esse é um dos posts que escrevi em fevereiro passado e não publiquei. Aí vai:

O Octógono.
Foi assim, surpresa total, como acho melhor. Caí dentro do lugar, uma vez mais, ignorando o que era. Por indicação de uma de minhas "noivas" do Cabo Polônio, passei dois dias no Octógono, descobrindo ali que o sítio pertence à Ago Vilaró, filha do renomado artista uruguaio Carlos Paes Vilaró. Um lindo lugar, meio permacultura, meio colonia de ferias, meio ponto de encontro, palestras e parrillas, como se diz churrasco aqui. 

Galerinha de Punta Ballena
Na noite do segundo dia apareceram para um churrasco de hamburguers artesanais (e assim sigo traindo meus amigos bovinos em nome de compartilhar momentos...) feitos por Nick e Maddie (casal de incríveis dominadores de fogo vindos do noroeste norte-americano) e um casal de Montevidéu composto por Verô e El Negro. Findado o evento, muito simpáticos estes insistiram a que lhes acompanhasse ao aniversário de um companheiro. Assim foi meu primeiro contato com meus sobrinhos uruguaios com quem já vivi agora miles de coisas em pouquíssimo tempo cronológico habitual.

Aí estavam tocando música e bebendo cerveja calmamente. Acolheram-me de maneira muito carinhosa. Pouco depois, fecharam todas as cortinas e apagaram as luzes, enquanto eu me perguntava curiosamente que diabos se passava!!! Começam então a voar por todos os lados gotas de um líquido fluorescente que cobria paredes, objetos e pessoas com uma trama de estrelas. E assim, estrelas bailavam, cantavam e tocavam instrumentos. Houve então um momento para mim bem especial onde eu e Lenka, de um lindo sorriso com quem já havia cruzado olhares, como que pusemos nossas mãos cintilantes a dançar sem muito tocar-se, e naquele escuro total, o movimento causado era como um baile de constelações. Fui dormir com um coração pacífico e cheio de calor.

A Casa Pueblo de Vilaró
Como planejado na véspera, levantei acampamento, despedi-me dos octogonianos e em seguida passei pela casa onde estavam os gurizes para fazer o mesmo. Parti feliz e contente pelo que se passara. Subindo a primeira ladeira porém, haviam placas insistentes que assinalavam o Museu Casapueblo que abriga exposição permanente de Vilaró. Por estranho que possa parecer, sou curioso de forma parcimoniosa à respeito de Museus, mas nesta viagem, não me sinto atraído por esta ou quaisquer outras formas tradicionais de praticar turismo. Tudo que atrai montes de gente me faz buscar o sentido contrário. Mas restava o fato de que alguns dos companheiros que conheci no recente trabalhavam ali, incluindo Lenka. Tive vontade de despedir-me, ainda que já fosse meio tarde. E aí fui...

(Continua...)

sábado, 4 de junho de 2011

Uma volta sem ida... Por hora.


Olá. Olá-a!!! Tem alguém aí do outro lado? Difícil, imagino... Passei tempo tão largo sem passar por aqui para deixar letrinhas que já não deve ter mais ninguém que ainda insista em buscá-las. Mas, como já disse, isso aqui também é meu confessor, meu relato de memórias. Por vezes cai bem deixar algumas delas em um tipo de cérebro externo como esse, porque as que ficam aqui dentro tendem a se apagar, modificar e/ou mesclar-se entre si em um tipo lúdico-orgíaco de alter memórias. Nada contra a produção subjetiva de pseudo-memórias, mas sei lá, por vezes me agrada a ideia de conservar algumazinhas com um mínimo de lastro ao que concordamos chamar real.

Já que não tem ninguém ouvindo, não serão muitos os desapontados com meu estado físico atual de conservação de energia cinética em forma potencial. Isso mesmo: Parado. Por muitos e nenhum motivo especial. Inverno, aprendizado, necessidade de meditar, sei lá... Espero descobrir depois que foi por intuição profunda, aquela que sabe o que faz sem apego a conceitos ou ideias.

O lugar é Mallin Ahogado, próximo e pertencente a El Bolsón, Província de Rio Negro, norte da Patagônia Argentina. Maravilhoso em muitos sentidos. Pessoas incríveis com projetos proporcionalmente interessantes. Os rios mais lindos que  já vi na vida. Cercado por montanhas que tem agora os cumes nevados. De verão lindo com mergulhos diários no rio azul a um outono de mil cores avermelhadas e um branco inverno batendo à porta. Faz frio aqui. Pra ilustrar quanto, essa noite lavei um pinico e o esqueci na varanda, cheio de água. Acabo de jogar fora um bloco de gelo em forma de pinico.

Desde que a Nena me falou deste lugar, por motivo de um curso de bioconstrução, habitou minha cabeça a ideia de vir pra cá. Quando decidi ir à Índia de bicle, soube que minha passagem pela região seria inevitável, ainda que não tivesse nada a ver com o caminho de São Paulo ao Panamá. Aqui estou, fazendo muito e nada. Aprendi e trabalhei muito em diferentes projetos de bioconstrução depois de estar como voluntário no Bioconstruyendo 2011, curso realizado na linda Granja Valle Pintado que beira o Rio Azul. De lá vim para um outro projeto sensacional do gênero chamado Reko, onde me foi gentilmente emprestada uma agradável casinha de barro de onde escrevo.

Preparando-me psicologicamente para um inverno severo, venho dizer que volto!!! Sei que parece um pouco raro escrever estando parado em um blog a propósito de uma viagem ciclística, mas peraí: Fato é que as paradas no caminho não deixam de constituir o indo, e a meu ver, de muito interesse. Mas, deixo a vcs a decisão final sobre o assunto, eu... calo a boca e escrevo! Tentarei contar o que se passou aqui nos últimos quatro meses, além de alguns acontecidos no buraco negro que se tornou este blog desde o Cabo Polônio.

Beijo a todos, e... feliz de estar de volta!!!

As N Caras do DR ZAO (nesta viagem!)