domingo, 13 de fevereiro de 2011

A conquista do Cabo Polonio, um lugar fora do tempo... (parte 03 - final)


rancho
Leoes marinhos
À noite havia um fogo grande na praia norte. Outra das qualidades do cabo é a ausência de luz elétrica, coisa que provoca muito mais integração social em fogueiras e rodas de mate, creio que sobretudo pela falta do monstro televisivo, mas também um grande conforto nas suaves luzes de velas e ao som de instrumentos acústicos. E por preguiça de um gerador o concerto de noite teve de ser em volta do fogo e sem amplificação, o que o fez ainda mais especial. Depois tocaram tambores de candombe, que são herança africana muito presente no país.  Assim dormimos em volta do fogo que afastava um pouco o frescor da noite austral. Acordando houve mais uma agradável surpresa, dois rapazes bastante talentosos tocavam violão e charango cantando lindas canções latino-americanas enquanto do mar se levantava um lindo sol vermelho todo cercado de nuvens tão formosas que pareciam ter sido ali colocadas de modo proposital, compondo uma pintura inigualável no horizonte. A sensação de paz era quase palpável tamanha a intensidade provocada. 


Farol
Recem casados
E assim, eu que fora ao Polônio para passar algumas horas e fiquei dois dias que pareceram semanas, estava pronto para seguir. Nos pusemos a preparar a partida. Quis saludar e despedir-me dos animais marinhos com que só tive contato por intensos gritos constantes que faziam pensar à uma festa detrás do farol. Fomos até o local, e me surpreendeu a beleza das pedras na ponta do cabo. Os lobos e seus comparsas se vidiavam ao longe. A vista de sobre o farol fazia faltar o fôlego. Descendo tive contato com os figuras que cuidam do farol, divertidos uruguaios que à característica tradição marinheira se faziam claros quanto às suas intenções junto às minhas irmãzinhas. Deixando o farol, as duas se puseram de joelhos e me pediram em casamento à três. Tocado e achando graça à situação, aceitei o ingênuo pedido. Nos despedimos e parti sul voltando ao camping inexistente. Também a  volta foI extremo pacífica ainda que deveras ensolarada. O mar estava claríssimo lindo com direito a banho doce em um riozinho lindo, e assim foram três horas de ótima solidão.
               
Caminho de volta com revoada
Despedida de Beleto e Juan
Cheguei ao camping e logo travei simpatia com o jovem que aí cuidava sozinho neste dia. Muito falamos e devo dizer que me agrada enorme conhecer esses meninos que com metade da minha idade tanto me ensinam. Me dão esperança na possibilidade de um novo mundo, visto que são tão sábios com tão pouca idade. Tomamos mates, fizemos fogo, cozinhamos, nasceu linda lua e dormimos. Cedo chegou Beleto, o proprietário, que parecia bem feliz depois de uma noite com sua namorada. Mais conversas em meio à preparação, e por aí me fui. O rumo continuava sul, mas o coração mudara, e já estava assim como agora, paradoxalmente mais cheio ainda que mais leve.


                FIM

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A conquista do Cabo Polonio, um lugar fora do tempo... (parte 02)


Musicos na praia
O sumisso da bola de fogo
Chegando lá, verdade que havia um bom tanto de gente, mas nada de chocante. O que passa é que o grosso de pessoas só passam o dia ali, e como este já findava, eles sacolejavam embora nos gigantes jipes. Chegar já foi um choque, pois o sol estava prestes a se por ali por volta das oito e meia, e  um grupo de jovens tocava músicas caribenho-latinas com uma energia e qualidade tremendas! Momento lindíssimo, um por do sol no mar tão maravilhoso ao som de Buenas Vistas e afins com um trompete incrível além de violão, percussões e vozes. Pessoas dançavam de forma muito livre e alegre. A música acaba e o sol se prepara para fundir-se ao mar no horizonte. Deixei os leões para amanhã, fiz-me invadir pela beleza e tranquilidades provocados pelo sumisso da bola de fogo e adentrei a simpática vila.
               
Rancho do frances, mais chique que a media...
Los Nietos de Borges
Isto sim era algo!!! Casinhas muito simpáticas chamadas ranchos, pintadas e decoradas de forma agradável, criativa e original dispunham-se de forma completamente aleatória sem nada que as cercasse. Ausência total de ruas, sendo o chão todo gramado com algumas sendas de areia. Só isto já parece passar ao cérebro códigos intensos de liberdade expressiva. Cheguei faminto a um barzinho onde músicos se aprontavam para tocar. Perguntei-lhes sobre algum pouso e me disseram que o dono de uma pousadinha das mais economicas viria em breve ao concerto. Pedi uma torta e uma cerveja e os consumi tranquilamente. Ao fim sentei-me ao chão para mirar o concerto e logo duas uruguaias convidaram-me a unir-me a elas e a um jovem que também acabara de conhecer-las. Falamos um pouco enquanto tocavam "Los Nietos de Borges" um grupo portenho bastante original e muito divertido, além de agradável.
               
Com as meninas de Rosario
Fui buscar outra cerveja e voltando, havia uma garota em sobre a almofada em que estivera à pouco. Chamava Carolina e me apresentou a seus amigos todos provenientes de Rosário com quem fazia circo. Ao fim do concerto fomos comer mais tortas e beber um pouco de cerveja na praia. Conversamos agradável e ao final quando iam dormir, perguntaram se eu já tinha algum pouso. Disse que não e fui convidado a compartir-lhes a tenda. Acabamos por dormir fora dela sob uma bruta quantidade de estrelas como não vira há muito. Rimos ao dizer que era um hotel de milhares de estrelas! enquanto tentávamos aconchegar três pessoas em um colchão de solteiro elas me perguntaram se eu imaginara antes que iria dormir com duas garotas. Respondi que fora a primeira coisa que me passara pela cabeça naquela manhã e tivemos mais risadas. Dormi muito mal, como se pode imaginar, mas com uma ótima sensação de proximidade e carinho completamente independentes de necessidades e interesses abraçado às minhas novas irmãzinhas.
               

Colorido atras dos ranchos
Me acordou um lindo sol nascendo e brilhando nas gotinhas de orvalho da vegetação semi-desertica  em volta  e logo fizemos um fogo para esquentar e tomar uns mates. Encontramos o restante do scircenses de Rosário, comemos algo e fomos à praia norte pegar uns jacarés. A água do mar uruguayo é muito fria, deliciosa, acorda tudo. Depois fomos ao rancho de um casal bastante simpático. Comprei uma cerveja e uma soda de limão, que mesclados constituem uma clara para espanhóis, e que me é muito agradável. Depois fomos ao rancho de Rosário, uma artista plástica que aí vive. Tomamos mates, tocamos e cantamos com outros amigos dela e brincamos com os filhos destes amigos. Um lindo por do sol nas dunas findava um dia que assim contado não deve soar dos mais interessantes, mas que esteve cheio de alegria e tranquilidade em meio à uma sábia simplicidade. (Termina em 2 dias...)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A conquista do Cabo Polonio, um lugar fora do tempo... (parte 01)


Depois daqui, o cabo
Contando aqui o sucedido, tenho que especificar certas coisas. Este dito Cabo Polônio existe em termos geográficos sim. Mas ele não é só um lugar. É também um sentir, que existe em cada um. Como uma representação simultanea física e interna de liberdade, amor e paz. Conquistá-lo portanto, nada tem em comum com invadí-lo. É sim compreendê-lo, aceita-lo e consequentemente, vivê-lo em cada agora. Sem que soubesse, havia uma preparação para estar ali. Seguramente mais intensa nos últimos dias, mas certamente resultante de toda uma vida e talvez mais.
               
Lembro-me que alguém já me falara dali ainda no Brasil, mas não consigo atinar à quem. Pedalando pela estrada, conversando com as pessoas que encontrava, amando profundamente o que experiência o Uruguay, um tipo diferente de paz se encaixava cada vez mais em mim. Alguns também disseram que não valeria muito estar aí, porque o Cabo já não era mais o que fora devido à invasão turística. Só que saindo de La Esmeralda, um balneariozinho pequenino e muy simpático, um casal de argentinos foi veemente em relação ao lugar. Era para eles o melhor do país até agora. E, restava o fato de que neste lugar se acostavam lobos, leões e talvez até elefantes marinhos. Eu como só os conhecera por intermédio de livros, estava resignado a visitá-los ainda que me custasse esbarrar em milhões de veranistas.
               
A fila para a invasao
Ao cabo porém, não se pode aceder sem o auxílio de veículos 4X4, pois a estrada é uma grande linha de areia fofa. E, no lugar onde se concentram os veranistas para proceder à invasão (claro que isto é uma generalização, mas resta o fato de que se alguém adentra o Polônio sem um mínimo de preparação para compreende-lo, isso é um tipo de invasão desagradável inclusive para o invasor), havia esta imensa fila abaixo de um sol que não dava tréguas para que as pessoas se amontoassem em veículos gigantescos um após o outro. Nesse momento tive minhas dúvidas sobre se estava disposto a tanto para me apresentar aos mamíferos marinhos que aí estariam.
              
Beleto, meu salvador...
Foi quando um tipo saiu de um velho jipe que eu havia recém fotografado e veio em minha direção. Falou-me de um camping quatro quilômetros mais adiante e de como eu poderia dali caminhar até este destino. Nem pestanejei e pus-me a pedalar até o Km 259 da ruta 9. Entrei numa senda com algumas dúvidas, pois havia somente um pedaço de plástico indicando a entrada, mas nenhum cartaz. Lá dentro encontro o tipo, que se chamava Beleto, e mais um jovem, mas nenhuma barraca. 


Caminhando rumo ao cabo...
Confesso que fiquei um pouco inquieto, mas armei minha tenda e me coloquei em marcha, com planos de caminhar ida e volta no mesmo dia, ainda que chegasse à noite. Atravessei um longo pasto, passando por casas abandonadas e outras não, depois um lago e finalmente um deserto cheio de florzinhas lindas que saiam de plantas rasteiras. Finalmente encontrei-me ao mar, e ali percebi que nunca encontraria este caminho de volta às escuras, mas... Mirei à esquerda e vi ma cidadezinha com farol na ponta de um cabo. Ela estava realmente muito longe! No total, foram duas horas e quarenta de caminhada extremamente pacífica e meditativa onde vi somente uma família. 


(continua em 2 dias...)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Uruguay, um jeito de ser... (Parte 02)


Eu e meu encanto com o país
Por onde parava ou passava ocorriam coisas semelhantes, em um número e grau absurdamente superiores aos que me passaram antes de deixar o Brasil. Entre acolhidas amáveis, sorrisos e pequenos presentes, pus-me a pensar onde erramos enquanto nação, pois creio que antes de tanta correria atrás de fazermo-nos mais ricos, e isso sobretudo no sul e no sudeste, já fomos mais hospitaleiros. Não é de hoje que tenho minhas dúvidas à respeito de mudanças no comportamento social decorrentes de governos neoliberais como os últimos que tivemos, ainda que revestidos de um certo socialismo por meio de manobras populistas. Não sei bem dizer, mas resta o fato de que uruguaios comprimentam desconhecidos, dão e pedem carona nas estradas e sorriem com facilidade olhando nos olhos. Se alguém tem visto muito disso por aí, é favor corrigir-me.
 
Tranquilidade em Montevideu
Também me puseram à par de coisas semi-inacreditáveis. O presidente do país, José Mujica, abdicou de grande parte de seu salário para que seja usado em causas que acredita importantes. O palácio onde deveria morar, hoje abriga crianças como uma colônia de férias. Toda criança no país tem seu próprio computador portátil pessoal, e em escolas e praças há internet sem fio gratuita. Aqui a  educação é um direito de todos. Carros antigos convivem em paz com as novidades sobre rodas, e tudo parece ir um pouco mais devagar. A publicidade não é tão violenta e as pessoas são mais tranquilas, quase não se ouve buzinas em Montevideu. É como se não houvesse muita pressa em "crescer e desenvolver-se".Creio que haja muito mais que não sei. Mas soube que nosso presidente vinha tentando exercer influência sobre decisões deste país, e acredito que sua pupila fará semelhante. Rogo à Deus para que este povo seja suficientemente sábio para não cair neste conto.

Cervejinha com os chicos
 Mas, voltando ao nosso caminho, mais tarde encontrei-me à um bando de jovens, e foi aí que tocou-me ainda mais a doçura deste povo. É claro que como pessoas de duas décadas que são, eles se provocam e riem às custas uns dos outros. Mas parece não haver um pingo de maldade ou malicia nisso. Logicamente minhas experiências no Brasil não se devem tomar por média, mas tenho a impressão de que nosso amor e carinho é mais permeado de competição. Esses meninos se abraçam e se beijam no rosto de forma muito natural e fraterna. Me aceitaram entre eles como um velho amigo, e tem muita dificuldade em deixar-me pagar o que quer que seja, pois me dizem que sou convidado aqui! Acho que hoje, se fora cometer a "loucura"de viver novamente em uma "grande" cidade, esta seria Montevideu. E seguro que se me pusesse a viver fora do Brasil, poderia facilmente me quedar por aqui... Vejamos como será atravessar as terras de nuestros hermanos portenhos, porque por hora, o Uruguay me encanta profundamente, e tenho certa dificuldade em deixá-lo partir pedaladas atrás. Fico mais tranquilo em saber que este Uruguay viverá para sempre em mim, permeando minhas memórias como a lembrança de um possível futuro para todos.  
 
Passeando pela capital
Com os sobrinhos em Punta Ballena

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Uruguay, um jeito de ser... (Parte 01)

Chegando
Inicio confessando minha agigantada ignorância que tende às generalizações, ainda que as evite. A verdade é que nunca pensei muito à respeito deste país. Conhecia zero da cultura, e nesta viagem, fazia parte de minha rota por dois motivos: O primeiro e menos nobre deles, é porque simplesmente estava no caminho, visto que queria descer para a Argentina costeando o Atlântico. O segundo é que mesmo sem maiores conhecimentos à respeito, todo e qualquer lugar me interessa. Então, dentro da minha cabecinha, no bem pouco em que fiz imaginar os viventes destas paragens, isto tinha que ver com gaúchos e futebol!

                Primeiramente peço desculpas aos gaúchos pelo que vou dizer, e ainda que generalizar não seja criar regras, ocorre muito que os habitantes do Rio Grande do Sul sejam relativamente duros. Pela proximidade geográfica e em alguns aspectos cultural, imaginava os uruguaios de forma semelhante. E isso se confirmava em minha cabeça pelas vagas lembranças que tenho de mundiais de futebol. Brasileiros ficavam possessos com a quantidade de penalidades que aplicava o time uruguaio.

Parador em Santa Tereza
Assim minha surpresa foi grande ao cruzar o rio Chuí e mesmo um pouco antes, logo ao entrar. A cidade se assemelha em muito às outras fronteiras com o Brasil que conheço. Uma certa disposição à zona generalizada, infinitas placas e carros andando na contramão. Mas, na primeira frutaria em que parei, já me deparei com uma doçura diferente nol olhos do vendedor. Perguntei-lhe quanto estavam os kiwis, e achando meio caro decidi ficar com pêssegos e bananas. E ele logo me ofereceu um kiwi para que o levasse...

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O carro em questão
E se sucederam variados detalhes deste tipo. Em um barzinho num canto de linda praia chamada Santa Tereza, perguntei se serviam café da manhã. O senhor me disse que sim, sentei-me e logo ele saiu, o que me deixou um pouco preocupado, pois demoravam a servir e eu precisava pedalar! Voltou e logo após me serviram café com biscoitos e alguns pãezinhos doces deliciosos. Fui pagar, e o senhor então me disse que ainda não estavam realmente abertos e que  por este motivo não tinham troco, e que havia ido buscar os pãezinhos somente para mim, e que por isso considerasse como um presente... Havia uma senhora vendendo produtos na beira da estrada. Sem saber ao certo o que eram, perguntei-lhe se tinha refrescos como marcava o cartaz. Disse-me que não, mas correu para dentro de sua casa e voltou com uma garrafa grande pela metade de refrigerante e me fez beber toda! Parei para ver o que uns tipos até meio estranhos faziam debruçados sobre um auto dos anos 50 completamente detonado. Logo estavam fazendo brincadeiras e me fazendo ingerir copiosamente uma beberragem de vinho tinto de caráter duvidoso com refrigerante e limão. (continua em 2 dias... promessa!)
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figura 02
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