domingo, 13 de maio de 2012

O viajar e outras cositas mas... (esse tá bem grande!)


Travessia dos Pirineus (Caminho de Santiago - 2005)
Hoje quero falar com vcs sobre viagens, ou melhor, sobre as possíveis maneiras de se encarar o assunto. Acho que essa ficha só me foi cair após uma viagem que fiz em 2005 (não sei se já falei sobre isso, pode ser...). Atravessei a França de bicle, do sul da Alsácia até St Jean Pied de Port nos Pirineus, perto do Atlântico. Dei uma volta pelo País Basco Francês e Espanhol, mandei Clotilde (Já era ela!) de St Sebastian para Santiago de Compostela, Voltei à St Jean PP e caminhei até Santiago pelo chamado Caminho Francês, aquele do Paulo Coelho! Foram 1500 km pedalando e 990 caminhando ao longo de três meses e meio. Desde aqueles tempos e mesmo antes, já se falava que o Caminho perdeu sua alma por conta da invasão de turistas. Sim, eles estão lá. Há inclusive pessoa que caminham somente os últimos 100 km para receber o carimbo que comprova o feito. Não vou entrar em detalhes, pois o post não é sobre isso. Mas na humilde opinião de alguém que não sabe como foi antes, independentemente de toda e qualquer possibilidade de se denegrir seu valor, essa caminhada é do caralho!!! E muda muita coisa por dentro...


Caminhando
Depois disso, viagens turísticas me pareceram perder o sentido. O que fazia antes, visitar cidades ou locais de natureza exuberante, descobrir os pontos de interesse comum, museus, praças históricas, restaurantes, bares, cachoeiras, montanhas, etc... e tentar cumpri-los como uma espécie de cronograma básico obrigatório tipo marcar X em uma tabela, ficou para trás. Acho até que me diverti fazendo isso, mas parece que sempre me ia destes lugares assim visitados com a alma um pouquinho dolorida. Talvez com saudade de realidades mais profundas destes lugares que me passaram despercebidas, como se estivessem em uma dimensão paralela. Creio que estavam, assim, alheias ao estilo de viagem tão comum a quem está inserido em sociedades de consumo.

Será mesmo necessário um guia?
A meu favor tenho a dizer que nunca tive um guia de viagem na vida. Peço perdão aos fãs deste objeto que vejo não somente como um peso morto na mochila, mas também como algo que nos transforma em uma espécie de gado turístico, andando sempre sobre as mesmas trilhas batidas. Também brinco com o título Lonely Planet como sendo tudo o que alguém precisa fazer para realizar uma viagem solitária, pois as chances que se poderia ter de contato para perguntar informações, e que amiúde se transformam em conversas interessantes e/ou divertidas, são deixadas de lado para se enfiar a cara em alguma destas bíblias mochileiras.

Outrossim, sempre tive gosto por perder-me. Nunca tive tempo de ir a todos os lugares “necessários” pois “gastava” muito deste perdido, vadiando e vidiando por vielas ou sendeiros. Também nunca fui dado a pacotes, fora em uma única ocasião de uma semana em Kefalônia no Mediterrâneo Adriático, mas ainda assim alugamos um carro e percorremos bastante a ilha. Mas, apesar de estar sempre fugindo de esquemas massificados de viagem, sem perceber terminava cumprindo com o roteiro, ou ao menos algo do estilo...

Viajante solto...
aí vc vai dizer:  - Então o cara quer que todos larguem tudo e saiam sem lenço e sem documento mundo a fora? Calma, não é bem isso... Apesar de tê-lo feito um pouco, minha intenção não é bem a de jogar merda no seu ar condicionado turístico. É mais uma vontade de semear uma transformação progressiva na forma de encarar o ato de viajar. Até por que, tá cheio de gente inclusive entre vcs que agora leem, fazendo viagens de maneira muito mais solta que a minha, e eu também, conforme vou viajando vou percebendo e deixando para trás hábitos que travam um pouco minha experiência, ainda que alguns deles sejam duros de jogar pela janela.

Quando digo travam, me refiro à confiança no universo, à busca de sincronia através do progressivo alimentar de nossa intuição. Por exemplo, a cada manhã quando começo a pedalar, não olho o mapa e decido onde vou dormir, nem se vai ser em uma pensão, em um camping, beirando um rio, sob uma ponte, ou onde for. Simplesmente vou, em parte por saber que está tudo bem, e em parte por estar treinando essa confiança. Pode parecer falta de planejamento, e é, mas voluntária e desejada.


Minha primeira dormida literalmente embaixo da ponte...
Logicamente, viagens mais longas tendem a ser mais efetivas nesse tipo de caminhada. Mas creio que se mudamos o foco, sempre se pode buscar mais alma em qualquer tipo de viagem. Planejando menos, e deixando mais espaço para o incerto, que sempre pode nos trazer maravilhas inesperadas. Mas também escolhendo conscientemente o confiar ao invés do duvidar. Intuir em vez de planejar. Escutar mais o coração e um pouco menos à razão.


É um processo meio longo e por vezes árduo, pois não estando habituados, isso a que chamamos intuição parece algo sem sentido, ilógico. E é, ao menos dentro da lógica quadrada que nosso tipo de sociedade demanda de suas engrenagens. Batemos cabeça por duvidar, e na tentativa de acreditar, mas sem ainda haver conquistado aquela fé interna que realmente sabe que tudo está sempre bem, uma pequena dúvida escondida põe tudo a perder.
Mas não interessa, pois desistir aí e entregar-se a uma vida totalmente formatada pela rasa razão, seria como se uma criança decidisse engatinhar para sempre por medo de outros tombos no processo de aprender a andar, e depois correr, e depois voar. Busquemos viajar com menos plano. Com mais espaço à sincronia, aos encontros fortuitos, ao perder-se para encontrar o que há de mais belo, no outro e em nós mesmos. Que a informação sobre os lugares mais lindos, a comida mais rica, a história e as estórias venham da pesquisa de campo, do ombro a ombro e do olho no olho que esquenta o coração.

Eu não estou falando isso pra vc. Estou tirando isso de dentro pra nos lembrar a todos. Talvez eu seja um dos que mais precisa escutar, pois são coisas fáceis de se esquecer, assim como é fácil esquecer o momento atual em troca de algum devaneio no antes ou no depois. Tem esta frase, que se já falei repito, porque gosto muito e porque tenho a memória curta, mas também porque é das que vale repetir:

Se queres fazer com que Deus sorria, conta-lhe teus planos... 

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