Travessia dos Pirineus (Caminho de Santiago - 2005) |
Caminhando |
Depois
disso, viagens turísticas me pareceram perder o sentido. O que fazia antes,
visitar cidades ou locais de natureza exuberante, descobrir os pontos de
interesse comum, museus, praças históricas, restaurantes, bares, cachoeiras,
montanhas, etc... e tentar cumpri-los como uma espécie de cronograma básico
obrigatório tipo marcar X em uma tabela, ficou para trás. Acho até que me
diverti fazendo isso, mas parece que sempre me ia destes lugares assim
visitados com a alma um pouquinho dolorida. Talvez com saudade de realidades
mais profundas destes lugares que me passaram despercebidas, como se estivessem
em uma dimensão paralela. Creio que estavam, assim, alheias ao estilo de viagem
tão comum a quem está inserido em sociedades de consumo.
Será mesmo necessário um guia? |
A meu
favor tenho a dizer que nunca tive um guia de viagem na vida. Peço perdão aos
fãs deste objeto que vejo não somente como um peso morto na mochila, mas também
como algo que nos transforma em uma espécie de gado turístico, andando sempre
sobre as mesmas trilhas batidas. Também brinco com o título Lonely Planet como
sendo tudo o que alguém precisa fazer para realizar uma viagem solitária, pois
as chances que se poderia ter de contato para perguntar informações, e que
amiúde se transformam em conversas interessantes e/ou divertidas, são deixadas
de lado para se enfiar a cara em alguma destas bíblias mochileiras.
Outrossim,
sempre tive gosto por perder-me. Nunca tive tempo de ir a todos os lugares
“necessários” pois “gastava” muito deste perdido, vadiando e vidiando por vielas
ou sendeiros. Também nunca fui dado a pacotes, fora em uma única ocasião de uma
semana em Kefalônia no Mediterrâneo Adriático, mas ainda assim alugamos um
carro e percorremos bastante a ilha. Mas, apesar de estar sempre fugindo de esquemas
massificados de viagem, sem perceber terminava cumprindo com o roteiro, ou ao
menos algo do estilo...
Viajante solto... |
aí
vc vai dizer: - Então o cara quer que
todos larguem tudo e saiam sem lenço e sem documento mundo a fora? Calma, não é
bem isso... Apesar de tê-lo feito um pouco, minha intenção não é bem a de jogar
merda no seu ar condicionado turístico. É mais uma vontade de semear uma
transformação progressiva na forma de encarar o ato de viajar. Até por que, tá
cheio de gente inclusive entre vcs que agora leem, fazendo viagens de maneira
muito mais solta que a minha, e eu também, conforme vou viajando vou percebendo
e deixando para trás hábitos que travam um pouco minha experiência, ainda que
alguns deles sejam duros de jogar pela janela.
Quando
digo travam, me refiro à confiança no universo, à busca de sincronia através do
progressivo alimentar de nossa intuição. Por exemplo, a cada manhã quando
começo a pedalar, não olho o mapa e decido onde vou dormir, nem se vai ser em
uma pensão, em um camping, beirando um rio, sob uma ponte, ou onde for. Simplesmente
vou, em parte por saber que está tudo bem, e em parte por estar treinando essa
confiança. Pode parecer falta de planejamento, e é, mas voluntária e desejada.
Minha primeira dormida literalmente embaixo da ponte... |
Logicamente,
viagens mais longas tendem a ser mais efetivas nesse tipo de caminhada. Mas creio
que se mudamos o foco, sempre se pode buscar mais alma em qualquer tipo de
viagem. Planejando menos, e deixando mais espaço para o incerto, que sempre
pode nos trazer maravilhas inesperadas. Mas também escolhendo conscientemente o
confiar ao invés do duvidar. Intuir em vez de planejar. Escutar mais o coração
e um pouco menos à razão.
É um processo meio longo e por vezes árduo, pois não estando habituados, isso a que chamamos intuição parece algo sem sentido, ilógico. E é, ao menos dentro da lógica quadrada que nosso tipo de sociedade demanda de suas engrenagens. Batemos cabeça por duvidar, e na tentativa de acreditar, mas sem ainda haver conquistado aquela fé interna que realmente sabe que tudo está sempre bem, uma pequena dúvida escondida põe tudo a perder.
Mas
não interessa, pois desistir aí e entregar-se a uma vida totalmente formatada
pela rasa razão, seria como se uma criança decidisse engatinhar para sempre por
medo de outros tombos no processo de aprender a andar, e depois correr, e
depois voar. Busquemos viajar com menos plano. Com mais espaço à sincronia, aos
encontros fortuitos, ao perder-se para encontrar o que há de mais belo, no
outro e em nós mesmos. Que a informação sobre os lugares mais lindos, a comida
mais rica, a história e as estórias venham da pesquisa de campo, do ombro a
ombro e do olho no olho que esquenta o coração.
Se queres fazer com que
Deus sorria, conta-lhe teus planos...
Eu não estou falando isso
pra vc. Estou tirando isso de dentro pra nos lembrar a todos. Talvez eu seja um
dos que mais precisa escutar, pois são coisas fáceis de se esquecer, assim como
é fácil esquecer o momento atual em troca de algum devaneio no antes ou no
depois. Tem esta frase, que se já falei repito, porque gosto muito e porque
tenho a memória curta, mas também porque é das que vale repetir:
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