Alta noite já se ia. Escuro fazia na barraca quando me dei conta do ocorrendo. Uma boa sensação percorria-me o corpo durante aqueles momentos em que me senti mais leve que o ar. Totalmente livre dos grilhões gravitacionais de nosso pequenino planeta, voava. Já não fazia sentido aquele sentimento de inveja aos pássaros, que chegava a questionar a própria ordem do todo.
Mas como isso se dera, era a questão que me assombrava. Minha mente entrou em um estado de êxtase e atenção total. Os pensamentos começaram a se voltar para o início da jornada, como que visando explicar-me o que então sucedia. Vi-me ali, beirando o mar, olhos semi-cerrados e o corpo na típica posição de quem anseia meditar, o que já é por si só um contra senso. Anseio e meditação são como água e óleo, ou melhor dizendo, doença e cura... Mas mesmo estas tentativas de busca pelo estado meditatório sempre conferem certa leveza ao espírito e consequentemente ao corpo. Nunca ouvi falar porém sobre pessoas em estado de iniciação meditatória alcançando tão prontamente as delícias da levitação.
Veio então outra possível explicação àquele inusitado fato. O esforço físico proporcionado pelo constante pedalar, aliado à visão frequente de belíssimas paisagens, forçosamente haveria de ter amplificado minhas capacidades de contato com a energia cósmica e consequentemente despertado habilidades humanas normais, porém usualmente dormentes. Mas ainda assim, aquilo me parecia muita aquisição de mestria energética em tão poucas semanas de viagem.
Finalmente viera-me ao pensar aquilo que bem poderia ser o motivo. Vinha eu me alimentando recentemente de forma um pouco exagerada, procurando sanar uma possível falta de proteínas em meu organismo que poderia decorrer de um grande esforço físico sem a ingestão de uma correta quantidade destas moléculas essenciais. Tendo a não comer os bichinhos que vivem, fazendo exceção aos que nadam. Por este motivo, durante a viagem, capricho na deglutição de ovos, queijos, leite, feijões, lentilhas, grãos de bico, e tudo mais que contenha alto teor protéico. E, bem se sabe, que estes alimentos uma vez digeridos produzem alto teor de gases mais leves que a média dos encontrados ao nosso redor.
Ali caiu-me a ficha, lembrei de um almoço horas atrás onde esta característica alimentação se havia unido sinergéticamente à um pouco de chucrute e couve flor. Só então fiz atinar ao desagradável odor que preenchia minha leve habitação e que nos propulcionava levemente cada vez mais ao alto.
Sorri, lembrando-me o quão normal é,
que toda maravilha seja permeada de ônus.
Nada como alguns segundos de meditação após meditar... Faz mto bem para se absorver e assimilar aquilo que foi refletido!
ResponderExcluirA sensação inédita deve ser mais difícil de ser compreendida, mas tempo para isso é o que não nos falta, quem gosta de pensar não faz isso como obrigação, parece mais com um certo vício, não sussega enquanto não vai tirando as primeiras conclusões plausíveis.
Eu já esperava uma sintonia forte entre seu propósito e o universo, mas a levitação foi um sinal de que esta sintonia é mto maior do que posso compreender!
Bons ventos e gases filosóficos...
Abrass.